O sol foi subindo sempre mais alto no céu e Asha, desesperada, começou a chorar.
Então o enorme verme encostou o focinho no rosto dela e bebeu suas lágrimas. Saciada a sede, o verme deslizou para um lado e sumiu por um buraco no chão.
Exultantes com o sumiço do verme, as três bruxas e o cavaleiro começaram a subir o morro, certos de que chegariam à fonte antes do meio-dia.
A meio caminho da subida íngreme, porém, eles encontraram palavras gravadas no chão.
Paguem-me os frutos do seu árduo trabalho.
O Cavaleiro Azarado apanhou sua única moeda e colocou-a na encosta relvada, mas ela rolou para longe e se perdeu. As três bruxas e o cavaleiro continuaram a subir, e, embora tivessem andado durante horas, não avançaram um único passo; o topo continuava distante e a inscrição permanecia no chão diante deles.
Todos se sentiram desanimados quando viram o sol passar sobre suas cabeças e começar a declinar em direção ao longínquo horizonte, mas Altheda andou mais rápido e, empenhando mais esforço do que os demais, estimulava-os a seguir seu exemplo, embora tampouco avançasse na subida do morro encantado.
— Coragem, amigos, não fraquejem! — gritava ela, enxugando o suor do rosto.
A medida que as gotas caíam, cintilantes, na terra, a inscrição que bloqueava o caminho desaparecia, e eles descobriram que podiam prosseguir.
Encantados com a remoção do segundo obstáculo, correram para o alto o mais rápido que puderam, até que, por fim, avistaram a fonte,
refulgindo cristalina em meio a árvores e flores.
Antes de alcançá-la, no entanto, encontraram barrando o seu caminho um riacho que circundava o topo do morro. No fundo da água transparente havia uma pedra lisa com as seguintes palavras:
Paguem-me o tesouro do seu passado.
O Cavaleiro Azarado tentou atravessar o curso d'água flutuando sobre seu escudo, mas afundou. As três bruxas o tiraram de dentro do riacho e tentaram saltar por cima da água, mas o riacho não as deixou atravessar, e todo o tempo o sol ia baixando pelo céu.
Eles começaram, então, a refletir sobre o significado da mensagem na pedra, e Amata foi a primeira a compreendê-la. Apanhando a varinha, apagou da mente todas as lembranças dos momentos felizes que passara com o seu amor desaparecido e deixou-as cair na correnteza. O riacho as levou para longe, deixando aparecer pedras planas e, finalmente, as três bruxas e o cavaleiro puderam atravessar em direção ao topo do morro.
A fonte refulgiu diante dos quatro, emoldurada pelas ervas e flores mais raras e mais belas que jamais tinham visto. O céu coloriu-se de vermelho, e chegou a hora de decidir qual deles iria se banhar.
Antes, porém, que chegassem a uma conclusão, a franzina Asha tombou no chão. Exausta com o esforço da subida, estava à beira da morte.
Seus três amigos a teriam carregado até a fonte, mas Asha, em agonia mortal, lhes pediu que não a tocassem.
Então Altheda se apressou a colher as ervas que julgou mais úteis, misturou-as na cabaça de água do Cavaleiro Azarado e levou a poção à boca de Asha.
Na mesma hora, Asha conseguiu se pôr de pé. Além disso, todos os sintomas de sua terrível enfermidade tinham desaparecido.
— Estou curada! — exclamou ela. — Não preciso da fonte; deixem Altheda se banhar!
Altheda, porém, estava ocupada colhendo mais ervas em seu avental.
— Se fui capaz de curar essa doença, posso ganhar muito ouro! Deixem Amata se banhar!
O Cavaleiro Azarado se inclinou e, com um gesto, indicou a fonte a Amata, mas ela sacudiu a cabeça. O riacho tinha lavado todos os seus desapontamentos de amor, e ela percebia agora que o antigo amado fora insensível e infiel, e que era uma grande felicidade ter se livrado dele.
— Bom cavaleiro, o senhor deve se banhar, em recompensa por toda a sua nobreza! — disse ela ao Cavaleiro Azarado.
Então ele avançou a armadura tinindo aos últimos raios do sol poente e se banhou na Fonte da Sorte, admirado por ter sido o escolhido entre centenas de outros e atordoado com a sua inacreditável fortuna.
Quando o sol se pôs no horizonte, o Cavaleiro Azarado se ergueu das águas sentindo-se glorioso com o seu triunfo, e se atirou, ainda vestindo a armadura enferrujada, aos pés de Amata, a mulher mais bondosa e bela que já contemplara. Alvoroçado com o sucesso, pediu sua mão e seu coração, e Amata, não menos feliz, percebeu que encontrara um homem que merecia os dois.
As três bruxas e o cavaleiro desceram o morro juntos, de braços dados, e os quatro levaram vidas longas e venturosas, sem jamais saber nem suspeitar que as águas da fonte não possuíam encanto algum.
Comentários de Alvo Dumbledore sobre "A Fonte da Sorte"
"A Fonte da Sorte" é um eterno favorito, tanto assim que foi tema da única tentativa de introduzir uma pantomima de Natal nos festejos de Hogwarts.
O nosso mestre de Herbologia à época, professor Herbert Beery,1 um entusiástico aficionado do teatro amador, propôs uma adaptação dessa muito apreciada história infantil como uma surpresa especial de Natal para colegas e alunos. Eu era então um jovem professor de Transfiguração, e Herbert me encarregou dos "efeitos especiais", que incluíam providenciar uma Fonte da Sorte que funcionasse plenamente e a miniatura de um morro coberto de vegetação, que as nossas três heroínas e o nosso herói pareceriam escalar, enquanto a fonte afundaria lentamente no palco e desapareceria de vista.
1 O professor Beery mais tarde deixou Hogwarts para ensinar na A.B.A.D. (Academia Bruxa de Arte Dramática), onde confessou-me, certa vez, ter forte aversão por encenar essa história por acreditá-la azarada.
Creio poder afirmar, sem vaidade, que tanto a minha fonte quanto o meu morro desempenharam satisfatoriamente os papéis que lhes cabiam. O mesmo não se pode dizer, no entanto, do restante do elenco. Esquecendo por instantes as acrobacias do gigantesco verme arranjado pelo nosso professor de Trato das Criaturas Mágicas, Silvano Kettleburn, o elemento humano se mostrou desastroso para o espetáculo. O professor Beery, em sua função de diretor, esteve perigosamente desatento à complexidade de emoções que fervilhavam sob o seu próprio nariz. Mal sabia ele que os alunos que protagonizavam Amata e o Cavaleiro Azarado tinham sido namorados até uma hora antes de subir a cortina do palco, momento em que o "Cavaleiro Azarado" transferiu suas afeições para "Asha".